terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carta para Duzinho ou para as águas do Japaratuba-Mírim

Japaratuba: O grande e o mirim, o pequeno. “ O rio de varias voltas” que margeia nossas vidas. Eduardo: o velho e o moço. Correntes dagua deste velho rio que movem o engenho de minhas lembranças, fertilizam as várzeas de minha memória. Eduardo, o moço, Duzinho, querido primo-irmão, amigo de infância. Um romântico incorrigível, da estirpe de “Dom Quixote”. Sempre falava a ele que seria melhor se fossemos da de “ Dom Juan” nos evitaria maiores sofrimentos, mas não se é possível mudar a natureza de algo sem que este deixe de ser o que é e se torne outro. Nunca mudamos. Sem dúvida uma das melhores pessoas que já conheci. Em poucos a túnica de anjo caía tão bem quanto nele. E acho que ele nem acreditava em anjos e deve estar rindo de mim neste momento. Mas para mim você é um anjo meu querido irmão. Do barro que tu foi feito, meu caro, nos resta muito pouco. Deus só o utiliza em poucas e especiais ocasiões. Espírito cristalino, moralmente rígido, ético, honesto e puro. Conversávamos muito por sermos parecidos: tímidos, teimosos e românticos. Compartilhava com ele um sentimento de inadequação diante da realidade. Ele transpunha os terríveis muros da realidade com suas revistas e desenhos, era um exímio desenhista, terreno onde dava vazão a sua necessidade lúdica. Tinha alma de poeta. Veio ao mundo num 10 de Fevereiro e por sua pureza e ligação a sua saudosa mãe, acho que era de Oxalá e Iemanjá. Era de ar e água. Das Águas de Oxalá, do Japaratuba e do mar de mãe Janaina. Acho que ele também não acreditava nestas coisas e deve achar que perdi, por completo, o juízo. Bom filho, irmão, primo e amigo. Já me apercebi do mundo com a sua presença quando passava minhas férias de julho e janeiro em sua casa em Japaratuba. Nossa Japaratuba que não tem “calçadão” e ruas “asfaltadas” manifestação de uma falsa modernidade. Japaratuba das festas de Reis na praça da feira, com carrossel, parquinho e tudo mais bem na porta de casa. Japaratuba dos reisados, do Cacumbi de Batinga e Maracatu de Dona subindo a rua do Jatobá, da procissão dos motoristas, da alegria contagiante de “Birrinho”, do “velho Cabo” arrumando e comandando a feira, das conversas na porta com “Maria de Rochinha” e das inocentes guerras de cabacinhas. Olho para o quintal, meu irmão, aquele imenso quintal, parecia tão grande e era, pois supria nossas necessidades, e te vejo Duzinho... correndo, caindo, chorando, sorrindo, brincando de se esconder, de manja, elefante colorido, de nossas “ Olimpíadas”. Lembro-me de você entre os seus: Memeu, Toninho, Jairo, Esther, Esdras, Aline e Júnior de Valter, Sara, Graziela, Fatinha, Jefinho, Robinho, Gilnei, Jéssica, Davi, Itamar, Bernado, Helder, dentre tantos outros irmãos, primos e amigos que te amaram e continuam te amando. O Japaratuba está cheio meu irmão, o grande e o mirim, suas várzeas encharcadas desde a nascente no Tamanduá até a Boca da Barra em Pirambu. Uma coisa linda, as águas gordas do rio de varias voltas. Das voltas de nossas vidas desde um 10 de fevereiro de 1980... O mundo era demasiado pequeno para a vazão de sua honradez e bondade. Acabaste de desencarnar neste mês de maio. Saíste desta vida-guerra imaculado. Uma Glória. Mas creio na eternidade do espírito, o seu já é antigo, cumpriu um resto de jornada que faltava. Quando chegar a minha vez de desencarnar espero que seja uma das primeiras pessoas que eu re-encontre no plano espiritual. Assim sendo é um sinal que em vida terrena procedi bem. Eduardo, o velho, o Dudu. Eduardo, o filho, o moço Duzinho, suas águas encontraram o mar. Ademais, meu querido “irmão”, o Japaratuba esta cheio, o grande e o mirim, mas para mim ele secou um olho dagua.

Tiago Carvalho Santos, Aracaju, 15 de junho de 2009.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quereu... quereu... se não quereu... despache eu...

Quando ouvimos falar do Oriente nos vem logo em mente conflito, guerra, fanatismo religioso, petróleo, pobreza e um mundo totalmente estranho, diverso e distante. Não imaginamos quantos de nossos hábitos cotidianos têm origem Oriental. O hábito de tomar chá, sentar em esteiras, de fazer cafuné ou de andar á rua com guarda-sóis ou sombreiro. Nossos quintais estão cheios de fruteiras de origem oriental que de tão aclimatadas parecem-nos nativas, nacionais como as mangueiras, jaqueiras, coqueiros e pés de fruta-pão. Algumas como se vê das mais palatáveis ao gosto brasileiro. É árabe a azulejaria nas casas, em especial nos banheiros. A preferência por cores vistosas nas roupas e temperos picantes na cozinha. Também são orientais o cravo, a canela, a pimenta, como também são o cuzcuz e o arroz doce. No simples ato de vender, negociar herdamos muito dos árabes: nas feiras livres a forma de dispor os produtos espalhados no chão ou até mesmo de chamar a clientela gritando, anunciando o melhor preço. Para não falar na arte de pechinchar. Outro aspecto é o de mercadores ambulantes, que batem a nossa porta e que foram tradicionalmente chamados de “mascates” palavra também árabe. Não só esta forma de se vender ás portas das casas, mas o simples fato de se anunciar em porta alheia batendo palmas. Pois bem, Japaratuba cresceu a sombra dos antigos Engenhos-Bangüês: como o Rio Vermelho, Riacho-Preto, Pontal, Timbó, Saco, São João, Cabral, dentre tantos outros. Esta forma de fabrico de açúcar também é mourisca. Foram legítimos representantes da mercancia ambulante no passado em Japaratuba: Dona Joana do Mungunzá, que morava na rua dos “Quadros” e vendia ás portas Mungunzá e arroz-doce; Dona Delia que morava na Mirinduba, vendia amendoim cozido; saía pelas ruas da cidade com um cesto na cabeça anunciando: “ olhe o amendoim... olhe o amendoim cozido no leite de vaca e escorrido na manteiga...” . Também é desta época o inolvidável “Leó da Pipoca” recentemente falecido que atravessou gerações e além de pipoca vendia quebra-queixos. Por ultimo deixei para falar de Merenciana, uma senhora negra, baixa e bunda de Tanajura, mais conhecida por “ Quereu”, pois, saía pelas ruas de Japaratuba com seu cesto na cabeça cheio de frutas, anunciando ás portas das casas: “quereu... quereu... se não quereu... despache eu...”. Saudades ... saudades dos tempos que não vivi... da Japaratuba mítica e seus heróis anônimos. E que olhemos os orientes dentro de nós, nas nossas praças, casas, cozinhas e quintais, nos gostos, sabores e cores. Salamaleque.

Tiago Carvalho, 06 de setembro de 2009.