sábado, 2 de janeiro de 2010

Luxuria!

Ascende a lua

Ao canto da rua escura

Luzia! A lustrar

A rua de ilustre gente

De pedra lusa

Na janela tua

Nua à dançar

Numa moça fartura

Meu vagabundo olhar

Abraça-te musa

Um rastro de luz

Um luxo de lastro

Um sobrado de putas

Luxuria vadia!

Para os males a cura

Tiago Carvalho

Aracaju, 27/ 01/ 02

Rápido, repente, árido


De repente a toada corre solta

À toa, quebrando o silencio do sertão

Rasgando a caatinga como uma serpente

De repente o homem

Se sente como um boi no mato,

Bravo, que não se põe canga

Valente

De repente cai ao chão árido

O sangue d’um inocente

Escorre então um suor frio no rosto

Um orvalho salobro e fino

No olhar de choro

Do morto, carente

Tiago Carvalho

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carta para Duzinho ou para as águas do Japaratuba-Mírim

Japaratuba: O grande e o mirim, o pequeno. “ O rio de varias voltas” que margeia nossas vidas. Eduardo: o velho e o moço. Correntes dagua deste velho rio que movem o engenho de minhas lembranças, fertilizam as várzeas de minha memória. Eduardo, o moço, Duzinho, querido primo-irmão, amigo de infância. Um romântico incorrigível, da estirpe de “Dom Quixote”. Sempre falava a ele que seria melhor se fossemos da de “ Dom Juan” nos evitaria maiores sofrimentos, mas não se é possível mudar a natureza de algo sem que este deixe de ser o que é e se torne outro. Nunca mudamos. Sem dúvida uma das melhores pessoas que já conheci. Em poucos a túnica de anjo caía tão bem quanto nele. E acho que ele nem acreditava em anjos e deve estar rindo de mim neste momento. Mas para mim você é um anjo meu querido irmão. Do barro que tu foi feito, meu caro, nos resta muito pouco. Deus só o utiliza em poucas e especiais ocasiões. Espírito cristalino, moralmente rígido, ético, honesto e puro. Conversávamos muito por sermos parecidos: tímidos, teimosos e românticos. Compartilhava com ele um sentimento de inadequação diante da realidade. Ele transpunha os terríveis muros da realidade com suas revistas e desenhos, era um exímio desenhista, terreno onde dava vazão a sua necessidade lúdica. Tinha alma de poeta. Veio ao mundo num 10 de Fevereiro e por sua pureza e ligação a sua saudosa mãe, acho que era de Oxalá e Iemanjá. Era de ar e água. Das Águas de Oxalá, do Japaratuba e do mar de mãe Janaina. Acho que ele também não acreditava nestas coisas e deve achar que perdi, por completo, o juízo. Bom filho, irmão, primo e amigo. Já me apercebi do mundo com a sua presença quando passava minhas férias de julho e janeiro em sua casa em Japaratuba. Nossa Japaratuba que não tem “calçadão” e ruas “asfaltadas” manifestação de uma falsa modernidade. Japaratuba das festas de Reis na praça da feira, com carrossel, parquinho e tudo mais bem na porta de casa. Japaratuba dos reisados, do Cacumbi de Batinga e Maracatu de Dona subindo a rua do Jatobá, da procissão dos motoristas, da alegria contagiante de “Birrinho”, do “velho Cabo” arrumando e comandando a feira, das conversas na porta com “Maria de Rochinha” e das inocentes guerras de cabacinhas. Olho para o quintal, meu irmão, aquele imenso quintal, parecia tão grande e era, pois supria nossas necessidades, e te vejo Duzinho... correndo, caindo, chorando, sorrindo, brincando de se esconder, de manja, elefante colorido, de nossas “ Olimpíadas”. Lembro-me de você entre os seus: Memeu, Toninho, Jairo, Esther, Esdras, Aline e Júnior de Valter, Sara, Graziela, Fatinha, Jefinho, Robinho, Gilnei, Jéssica, Davi, Itamar, Bernado, Helder, dentre tantos outros irmãos, primos e amigos que te amaram e continuam te amando. O Japaratuba está cheio meu irmão, o grande e o mirim, suas várzeas encharcadas desde a nascente no Tamanduá até a Boca da Barra em Pirambu. Uma coisa linda, as águas gordas do rio de varias voltas. Das voltas de nossas vidas desde um 10 de fevereiro de 1980... O mundo era demasiado pequeno para a vazão de sua honradez e bondade. Acabaste de desencarnar neste mês de maio. Saíste desta vida-guerra imaculado. Uma Glória. Mas creio na eternidade do espírito, o seu já é antigo, cumpriu um resto de jornada que faltava. Quando chegar a minha vez de desencarnar espero que seja uma das primeiras pessoas que eu re-encontre no plano espiritual. Assim sendo é um sinal que em vida terrena procedi bem. Eduardo, o velho, o Dudu. Eduardo, o filho, o moço Duzinho, suas águas encontraram o mar. Ademais, meu querido “irmão”, o Japaratuba esta cheio, o grande e o mirim, mas para mim ele secou um olho dagua.

Tiago Carvalho Santos, Aracaju, 15 de junho de 2009.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quereu... quereu... se não quereu... despache eu...

Quando ouvimos falar do Oriente nos vem logo em mente conflito, guerra, fanatismo religioso, petróleo, pobreza e um mundo totalmente estranho, diverso e distante. Não imaginamos quantos de nossos hábitos cotidianos têm origem Oriental. O hábito de tomar chá, sentar em esteiras, de fazer cafuné ou de andar á rua com guarda-sóis ou sombreiro. Nossos quintais estão cheios de fruteiras de origem oriental que de tão aclimatadas parecem-nos nativas, nacionais como as mangueiras, jaqueiras, coqueiros e pés de fruta-pão. Algumas como se vê das mais palatáveis ao gosto brasileiro. É árabe a azulejaria nas casas, em especial nos banheiros. A preferência por cores vistosas nas roupas e temperos picantes na cozinha. Também são orientais o cravo, a canela, a pimenta, como também são o cuzcuz e o arroz doce. No simples ato de vender, negociar herdamos muito dos árabes: nas feiras livres a forma de dispor os produtos espalhados no chão ou até mesmo de chamar a clientela gritando, anunciando o melhor preço. Para não falar na arte de pechinchar. Outro aspecto é o de mercadores ambulantes, que batem a nossa porta e que foram tradicionalmente chamados de “mascates” palavra também árabe. Não só esta forma de se vender ás portas das casas, mas o simples fato de se anunciar em porta alheia batendo palmas. Pois bem, Japaratuba cresceu a sombra dos antigos Engenhos-Bangüês: como o Rio Vermelho, Riacho-Preto, Pontal, Timbó, Saco, São João, Cabral, dentre tantos outros. Esta forma de fabrico de açúcar também é mourisca. Foram legítimos representantes da mercancia ambulante no passado em Japaratuba: Dona Joana do Mungunzá, que morava na rua dos “Quadros” e vendia ás portas Mungunzá e arroz-doce; Dona Delia que morava na Mirinduba, vendia amendoim cozido; saía pelas ruas da cidade com um cesto na cabeça anunciando: “ olhe o amendoim... olhe o amendoim cozido no leite de vaca e escorrido na manteiga...” . Também é desta época o inolvidável “Leó da Pipoca” recentemente falecido que atravessou gerações e além de pipoca vendia quebra-queixos. Por ultimo deixei para falar de Merenciana, uma senhora negra, baixa e bunda de Tanajura, mais conhecida por “ Quereu”, pois, saía pelas ruas de Japaratuba com seu cesto na cabeça cheio de frutas, anunciando ás portas das casas: “quereu... quereu... se não quereu... despache eu...”. Saudades ... saudades dos tempos que não vivi... da Japaratuba mítica e seus heróis anônimos. E que olhemos os orientes dentro de nós, nas nossas praças, casas, cozinhas e quintais, nos gostos, sabores e cores. Salamaleque.

Tiago Carvalho, 06 de setembro de 2009.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Benquerença

Benquerença é nascedouro de amor
Dor de gostar de sofrer
Bem-querer sem fim e sem retorno
É saudade de lembrar de você

Benquerença é vistosa fantasia
D"um carnaval solitário
Calvário d" um triste Arlequim
Das cinzas de quarta-feira sem pecado

Benquerença é ofertório imaginário
Oratório de um único santo
Crença de um amor de sonho
É amor de amar bem calado

Tiago Carvalho, dia da Proclamação da Republica de 2008.

sábado, 19 de julho de 2008

DI ADO AMIGO

Dia 20 de julho, dia do amigo, mais uma data que, a convenção ou conveniência, comercial criaram para celebração de seus fins, que não são outros senão o lucro. A sociedade de bens consumo nos faz criar estas tolices. Uma sociedade formada, em grande parte, por pessoas vazias, alienadas, cujos maiores sonhos, “sonhos de consumo” diga-se de passagem, é consumir. Numa sociedade que cultua a cultura de massa, as pessoas em sua maioria, perdem sua singularidade, sua individualidade, ou seja, perdem o que as tornam seres especiais. Decaem do status de individuo para o de sujeito. Esta sistemática massificação do ser, ou sujeição do individuo, em ultima analise traz conseqüências gravosas à sociedade. O sujeito perde sua iniciativa, sua capacidade inventiva, seu poder de criação, o qual é preterido à formulas prontas, pré-moldadas. Busca-se a felicidade nestas malditas formulas, seja em qualquer relação deste sujeito com o corpo social. Se é na religião, na ligação com o divino, buscam-se orações pré-moldadas, formulas impessoais e mecânicas, de se falar com Deus. Se fosse ele jamais daria ouvido a estas tolices, a esta fé de tabuada. Faria uma prova dos noves... Noves fora... Nada! No quesito diversão não é bom nem falar, estamos indo de mal a pior. Os carnavais, por exemplo, que tinham como característicos, a diversidade de fantasias, multiplicidade de cores, a riqueza musical, etc. em sua maioria nos grandes e médios centros estão reduzidos a blocos de trio-elétrico, ou seria melhor chamá-los de procissão, uniformizada com abadás, de celebração ao Deus Baco. Ora caros amigos, não há nada mais subjetivo que nossas fantasias, mas mesmo assim, nestes períodos de liberdade intima, o que vemos é a extravagância da intimidade manifestar-se em forma de beijos impessoais! O popular e modernamente conhecido “ficar”, a banalização do beijo, que em sua natureza é tão pessoal e intimo, a banalização do amor! Sim, amor! Este talvez o mais banalizado dos sentimentos. Todo mundo ama... da boca para fora! Mas, no seu dia, não quero divagar sobre o amor, meu caro amigo, pois, eu te amo! E é sobre a amizade que me propus a escrever. Amizade, meu amigo, não tem dia certo para ser celebrada. Celebrá-se todos os dias, todos os momentos. “Todo dia é dia de índio...” diz a velha canção. Todo dia é dia do amigo! Digo eu, meu caro. Todos os instantes de minha vida você me é caro. Não tenho cartões ou papeis de cartas, com frases ou poemas feitos, para expressar minha amizade, meu amor por ti. Isto é muito impessoal, uniformizado, você merece muito mais! Você, não é simplesmente um sujeito, é uma pessoa, não é qualquer pessoa, é singular, é meu amigo! Portanto, meu caro, diga não ao dia do amigo, ao dia dos pais, ao dia das mães, até mesmo ao Natal, que com certeza, hoje é tudo, menos o dia do Cristo! Diga não aos horóscopos, aos livros de auto-ajuda, à cultura de massa, à uniformização de ser. Deixemos de ser sujeitos, globalizados, alienados, uniformizados, da sociedade de bens de consumo, que a todos consome, inclusive a nós mesmos, seres humanos. Lutemos pela nossa liberdade de criação, por nossa dignidade, por nossa condição de individuo! Pareço ser chato, meu caro amigo!... Talvez seja, mas sou singularmente chato... Parabéns pelo seu dia, meu caro amigo!...

Tiago Carvalho Santos,
Aracaju, 20 de julho de 2005.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

PRIMEIRA COMUNHÃO (OU NATALÍCIO)

Ontem á noite quis conversar com Deus
Então abri os braços e corri pro mar.
Pus-me de joelhos ao teu altar
E envolto ás ondas divinas
Fui conduzido ao teu reino celeste
E nas correntes de teu amor
Comunguei contigo...

Louvo-te Senhor! Infinito amor de quem ama
Senhor dos mares e marés. Dos ares e terras
Senhor do fogo e das matas. Da paz e da guerra.
Da continua guerra de mim mesmo. A lenha a alimentar a chama.
A dança do fogo que me queima é uma roda de ciranda.
Sou o caldo da cana que escorre de teu engenho.
Louvo-te Senhor!...

Senhor da fartura e da fome derramai teu olhar sobre nós
Bárbaros domesticados da polis. Brutos de uma razão insana...
Livrai-nos de nossa santa ignorância de todos os dias.
Senhor! Aproximai de nós a sapiência divina
Fazei de nós cavaleiros de tua fé. De tua razão... o amor!
Louvo-te Senhor!...

Ontem á noite conversei com Deus...
Estavam abertas as portas do céu. Estavam lá as ondas do mar...
Fui de alma liberta ao meu batismo. Meu natalício...
Louvo-te Senhor!...
Comunguei contigo... Minha primeira comunhão.
A razão e o amor de hoje e sempre. Amem!

Fogo-corredor, Tiago carvalho,
Aju, 25 de dezembro de 2002